Viral Inesperado: Como Katy da Voz e as Abusadas Transformaram o “Gordinha, Mas Tá Bom” em Hino de Resistência

No subterrâneo pulsante da periferia de São Paulo — mais precisamente no Grajaú — surge um trio que tem agitado as pistas e as redes com sua estética provocadora e mensagem poderosa. Formado por Katy da Voz, Palladino Proibida e Degoncé Rabetão, Katy da Voz e as Abusadas não são só uma banda: são um coletivo artístico-político, que canaliza humor, crítica social e empoderamento queer para gerar impacto musical e cultural.

O grande “boom” recente vem de uma frase simples, mas carregada de significado: “Gordinha, mas tá bom”. Não se trata apenas de um bordão viral — é uma afirmação de autoaceitação, de corpos dissidentes e de pertencimento. Para esse trio das quebradas, ocupar esse espaço não é luxo: é urgência.

Desde que se uniram, lá por 2019, elas vêm construindo uma sonoridade híbrida, onde o funk dialoga com o eletrônico subterrâneo e o pop experimental, criando uma atmosfera sonora tão urgente quanto viva. Suas letras são carregadas de sarcasmo, de crítica — mas também de celebração. São vozes que riem de si mesmas, para mostrar para o mundo que estão ali, com toda a potência que a periferia pode oferecer.

A trajetória das Abusadas é marcada por ousadia: vieram com mixtapes como Cantigas de Amor para Se Cantar na Roda, depois de Entrando na Garrafa, até chegar ao primeiro álbum, Sacolão das Fave-ladas. Esse passo cimentou sua presença na cena alternativa, articulando o humor das quebradas com a força das batidas eletrônicas e do funk.

Com o tempo, o grupo passou por uma espécie de rito de reinvenção: o álbum Atormentadas y Remixadas trouxe releituras de suas próprias canções, convidando produtores da cena underground para reimaginar sua arte. Em seguida, a continuação “Ainda Mais Atormentadas y Remixadas” consolidou seu diálogo com outros nomes marcantes, reforçando que a música delas pode viajar por diferentes universos — sempre sem abandonar a raiz contestadora.

O momento mais recente dessa trajetória transformadora é o álbum “A Visita”, que marca uma fase de amadurecimento. Nele, Katy da Voz e as Abusadas apostam em novos timbres e arranjos — pela primeira vez, incorporam instrumentos orgânicos, abandonando a produção puramente eletrônica. É uma música mais densa, mais reflexiva, que revela camadas da identidade das artistas que ainda não haviam sido tão expostas.

Nesse disco, há participações importantes, como a de Linn da Quebrada, e inspiração evidente na figura ímpar de Claudia Wonder, artista e ativista travesti que é referência de resistência para o trio. A homenagem é artística, simbólica: Wonder representa uma ancestral que abriu caminho para outras vozes dissidentes e marginalizadas — exatamente o que Katy e as Abusadas também fazem com sua música.

Não são apenas as letras ou a sonoridade que carregam força política: a estética visual das Abusadas também é provocadora e simbólica. Suas performances incorporam elementos teatrais, que evocam a resistência travesti e queer, e reforçam que ocupar o palco — sobretudo sendo da periferia — é um gesto de afirmação.

A ascensão do trio vai além do underground. Elas já se apresentam em festas relevantes da cena LGBTQIA+ e eletrônica, e conquistam cada vez mais público: suas músicas são armas de afirmação, e o “viral” não é apenas coisa da internet — é parte de um movimento cultural mais amplo.

Quando Katy da Voz e as Abusadas cantam “Gordinha, mas tá bom”, não é só para provocar risadas: é para inspirar. É para mostrar que o corpo gordo, queer e periférico não é invisível — pelo contrário, é palco de invenção, resistência e alegria. Esse é o poder de quem transforma uma frase simples em hino.